Contribuições da MTCI na saúde ocupacional
As MTCI no atendimento ao teletrabalho e na saúde ocupacional
Alan Kornin
Rosely Cordon
No início de Dezembro de 2019 na China ocorreram as primeiras mortes por COVID-19, indícios apontam que a provável origem da Pandemia de COVID-19 e suas vítimas, foram trabalhadores contaminados no exercício de suas funções, na cidade de Wuhan. Os primeiros óbitos foram referentes a trabalhadores do mercado de frutos do mar da cidade, considerado o foco inicial de contaminação devido ao manuseio de animais vivos (1,2).
Com relação ao início dos óbitos no Brasil, uma das primeiras vítimas confirmadas oficialmente, foi uma trabalhadora doméstica, contaminada após ser exposta ao vírus pelos seus empregadores que tinham retornado da Itália no início do ano (3).
Os colaboradores que atuam no sistema de saúde em geral, mas principalmente os que trabalham diretamente na atenção terciária, sofrem um impacto severo pela pandemia de de COVID19. Diversos problemas e agravos têm sido relatados por estes profissionais ao exercer sua rotina clínica, como: recursos e insumos limitados, atuação em turnos mais longos, condições insalubres para descanso, equilíbrio entre vida profissional e pessoal além dos riscos associados à exposição ao COVID-19, inclusive sobre questões de um retorno seguro para suas casas e cuidados necessários para evitar exposição dos membros de sua família a infecção. (4)
As situações emergenciais, como esta pandemia desde seu início em 2019 e segue em 2020, relacionadas às leis, normas e orientações relacionadas à segurança no trabalho, bem como às atuações profissionais, precisam ser constantemente revistas. Devem ser realizadas discussões ampliadas sobre os limites e possibilidades da prática da Terapia Ocupacional na área de saúde, especificamente no enfrentamento às pandemias. (5)
Aponta-se para a necessidade de que os terapeutas ocupacionais, nos âmbitos da prática e da pesquisa, atenham-se às intervenções que serão realizadas no âmbito da saúde do trabalhador durante este período, de forma a descrever suas experiências e contribuir com o desenvolvimento científico sobre o tema, o que auxilia na divulgação e disseminação da importância da profissão para a saúde dos trabalhadores e trabalhadoras no combate ao coronavírus. (6)
Especificamente os trabalhadores da área da saúde, os principais desafios por eles vivenciados no enfrentamento à pandemia são o elevado grau de contágio do vírus, sobrecarga de trabalho levando a exaustão física e mental, decisões difíceis, dor da perda de colegas e pacientes e falta de EPI. A Comissão Nacional de Saúde da China informou que mais de 3.300 profissionais foram infectados até o início de março. Na Itália, 20% dos profissionais de saúde do país foram contaminados após o contato com pacientes infectados, a infecção também atingiu os trabalhadores dos serviços de limpeza, e a falta de EPI adequados nos hospitais foi o motivo mais apontado para o aumento nas taxas de infecção (7,8)
Dadas condições neste cenário de catástrofe pandêmica, será necessário preparar-se para as consequências e agravos em um mundo pós-pandemia. Estudo transversal que avaliou fatores de influência na saúde mental de 1257 trabalhadores da saúde de 34 hospitais de referência em febre que realizaram assistência à pacientes com COVID-19 em regiões da China, constatou um aumento geral de doenças ocupacionais, novos casos de depressão e ansiedade e uma exacerbação dos problemas de saúde mental pré-existentes nos trabalhadores, em particular, impacto negativo em suas emoções, e acentuados níveis de estresse, do qual resultam em esgotamento e fadiga física. (9).
Ansiedade e preocupação com as perspectivas no futuro de sua carreira e com os impactos socioeconômicos na realidade de cada país também podem levar ao esgotamento de profissionais da saúde. Porém, os riscos ocupacionais são relacionados a natureza altamente contagiosa e a facilidade de propagação do vírus SARS-CoV-2, através de aerossóis (10 ), o que levou a elaboração de estratégias para um rigoroso controle da infecção e mudanças rápidas das diretrizes de prevenção para os profissionais de saúde na linha de frente, incluindo acesso administrativo limitado, protocolos rigorosos de higiene e antissepsia no local de trabalho e uso de equipamento de proteção individual (EPI) incrementados para todas a situações.
Toda atividade de trabalho e todo trabalhador tem de ser considerado, e preparado, não apenas para a sua proteção, mas também para entender que sua atividade pode ter um papel importante no combate à epidemia. A exemplo de medidas adotadas por outros países,, uma ação coordenada com esse propósito poderia ser uma estratégia importante, como o devido treinamento das equipes de Saúde da Família do Sistema Único de Saúde, programas desenvolvidos pelo SUS no Brasil, que se ampliadas, ainda têm como vantagem adicional o combate ao desemprego. Para assegurar condições laborais que propiciem redução na transmissão do vírus, medidas organizacionais necessitam ser discutidas no âmbito de cada atividade de trabalho da prática dentro da Saúde do Trabalhador tem de ser considerada no rol das medidas e ações de saúde pública voltadas ao controle da pandemia. (11,12,13).
Diante disso, observa-se uma enorme carga de novas tarefas nos serviços de saúde, sendo estas tarefas em boa parte dedicadas a adequação a todos os novos processos e protocolos internos e para a supressão da alta demanda dos casos de COVID-19 e outras demais cargas de doenças. Os profissionais dos serviços de saúde neste momento estão sendo levados a exaustão para suprir estas demandas, resultando em quadros de fadiga e o burnout. (14)
A Síndrome de Burnout (SB) é um processo gradual de esgotamento pessoal que ocasiona problemas mentais e físicos na vida familiar e laboral, já o estresse agudo pode advir de outras causas que não o trabalho. No contextos de trabalho, poderão associar-se outros sintomas e agravos, tais como sensação de exaustão, insônia, cefaleia, fadiga, tensão muscular, problemas cardiovasculares, depressão, ansiedade e uso abusivo de medicamentos controlados.. A nível de organização contribui para o absenteísmo, rotatividade de pessoal e baixa produtividade e comprometimento.(15)
O Burnout, como é comumente conhecido, é uma patologia de origem psicossocial que tem acometido trabalhadores de todas as profissões e está sendo considerada como uma consequência do estresse crônico vivenciado pela rotina de trabalho, levando assim, a perda do total sentido do propósito de trabalhar, o trabalho acaba perdendo seu significado e também seu prazer e satisfação durante a sua execução na rotina de atividades.
A partir de 2021, a Síndrome de Burnout será considerada doença ocupacional, sendo descrita pela OMS como:“Burnout é uma síndrome conceituada como resultante do estresse crônico no local de trabalho que não foi gerenciado com sucesso”, sendo assim , não deve ser utilizado para descrever experiências em outros âmbitos da vida. (16)
A síndrome é caracterizada por três dimensões: I) sentimento de : exaustão emocional, caracterizada pela falta de energia, esgotamento emocional; II) a despersonalização, que é a falta de sensibilidade ou endurecimento com o próximo e sentimento de negativismo; III) a baixa realização profissional, que é uma diminuição do sentimento de competência em relação ao trabalho com pessoas ou de satisfação com o emprego com redução de eficiência profissional.( 17,18,19)
Estudos realizados a respeito apontam o grande nível de incapacitação de trabalhadores de saúde, principalmente os profissionais da enfermagem,no que diz respeito aos transtornos mentais desenvolvidos em ambientes de trabalho que possuem uma somatória de fatores como estresse do ambiente ou processo de trabalho pelo desprovimento de significação em sua atividade, suporte social precário e não-reconhecimento do trabalhador. Uma alta incidência de SB é observada entre aqueles trabalhadores que prestam assistência às pessoas que necessitam de cuidados diretos e frequentes, o que já caracteriza um grave e emergente problema de saúde pública (20).
Nesta pandemia mundial o teletrabalho ou trabalho de modo remoto tornou-se uma realidade para muitos trabalhadores. Porém, sem uma adaptação adequada ou um acompanhamento por parte do setor da saúde do trabalho, a mudança pode aumentar as dores no corpo e trazer problemas para o sono. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo em parceria com o Instituto de Estudos do Emprego, do Reino Unido, ouviu mais de 530 trabalhadores entre junho e julho deste ano para saber como estão as condições do trabalho remoto no Brasil. Dos entrevistados, 87% começaram a trabalhar em casa por causa da pandemia, mas apenas 15% receberam algum suporte do empregador. Dos entrevistados 55% afirmaram que a perda do sono aumentou, 57% relataram aumento de dores no pescoço, e 58% tiveram aumento de dores nas costas. Além disso, foram relatados outros sintomas com frequência maior de fadiga ocular e dor de cabeça. Segundo a OMS é considerada de baixo bem-estar. Relataram ainda dificuldade maior para gerenciar o tempo e dividir a vida pessoal da profissional. (20)
O termo teletrabalho não deve ser confundido com o termo home office (trabalho em casa). Segundo dados de 2008 da Sobratt (Sociedade Brasileira de Teletrabalho e Teleatividades) 52% dos teletrabalhadores efetivamente executavam suas atividades a partir de suas casas, enquanto o restante utilizava as tecnologias de comunicação para trabalhar a partir de outros locais como cybercafés, escritórios coworking (criados especificamente para este tipo de atividade) e outros.
Grandes empresas de setores importantes como o financeiro e das telecomunicações passaram a utilizar o teletrabalho como estratégia alternativa, transformando a rotina de centenas de seus funcionários, diminuindo gastos e obtendo maior produtividade. Em alguns casos, é exigido que o funcionário compareça à empresa apenas uma ou duas vezes por semana. Nesta modalidade devem observar uma série de recomendações sobre ergonomia, condições do ambiente doméstico e equipamentos. (21).
As Medicinas Tradicionais Complementares e Integrativas – MTCI (No caso brasileiro, conhecidas como Práticas Integrativas e Complementares – PIC’s) consideram em suas abordagens terapêuticas, as multidimensionalidades dos indivíduos. Os princípios de tratamento buscam a restauração da saúde através de técnicas que promovem homeostase e salutogênese no organismo humano, além de considerar aspectos biopsicossociais no processo saúde-doença. As MTCI/PIC’s são um valioso legado para melhoria da qualidade de vida promovendo benefícios diretos na saúde física de seus praticantes (22). Algumas MTCI/PIC’s tem demonstrado boa aplicabilidade durante a pandemia. A indicação destas terapias devem ser criteriosamente avaliadas caso a caso por profissionais da saúde especialistas no campo e acompanhar seu uso pela população no intuito de promover um acompanhamento terapêutico. Pode-se elencar tais práticas por categorias: recursos expressivos (Arteterapia, musicoterapia, dança); práticas corporais (Tai Chi, Yoga, Meditação, Mindfulness); medicina botânica (plantas medicinais, aromaterapia, florais, homeopatia); procedimentos clínicos (acupuntura, eletroacupuntura, laserterapia, ozonioterapia, massagem (23,24,25). Situações emergenciais, como estas da pandemia de COVID-19, necessitam de uma revisão intersetorial sobre a rede de produção de bens e serviços e suas devidas interfaces com políticas públicas, ao que tange o tema da saúde ocupacional, principalmente no que se refere às atuações profissionais, relacionadas às leis, normas e orientações relacionadas à segurança no trabalho. Devem ser realizadas discussões ampliadas sobre os limites e possibilidades da prática da Terapia Ocupacional na área de saúde, especificamente no enfrentamento às pandemias. (6, 26).
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